Eu gostava, enquanto criador, de assumir uma posição autocrática: levar o espectador para dentro de um mundo que eu construísse, onde quem ditava as regras era eu. Ele podia manter a distância e a liberdade do seu juízo crítico, mas primeiro tinha de entrar dentro da obra (ou do espaço, mas alargado da exposição). E, tendo entrado, estava apanhado como um pássaro numa gaiola, até encontrar a porta de saída. Enquanto estivesse dentro sujeitava-se a uma experiência, ou a uma vivência, que até certo ponto eu determinava. Aceitava ver o que eu propunha, de algum modo através dos meus olhos. Só depois era livre de olhar outra vez com os seus, e recusar tudo se quisesse. Era a sua vez de jogar, na segunda parte do jogo. Mas a primeira jogada era minha.
Teolinda Gersão, A Cidade de Ulisses