Saturday 30 April 2011

Um refúgio

Numa poltrona branca virada para uma janela aberta, sinto uma brisa morna a acariciar-me a pele, enquanto o cheiro a protector solar inunda o meu olfacto.
Vejo o mar a estender-se para lá dos horizontes do meu olhar, e à medida que o calor me amolece e me habituo ao ritmado estalar das ondas, apercebo-me finalmente do quão pequenos os meus problemas são face à imensidão do oceano e ao número de minúsculos grãos de areia concentrados à minha frente.

Monday 25 April 2011

The Doors - The End

“This is the end
Beautiful friend
This is the end
My only friend, the end”

—Stop! Press Pause! Just do something for fuck’s sake, don't let the song go on! Jesus Samantha, you can’t see this as “The End”, I mean, sometimes we just have to accept that we can’t always have everything just the way we want. But you definitely can’t see this as putting a fucking period at the end of it. It’s more like an ellipsis, because it’s not really over. We are going to meet again. I’m sure of it...

Friday 22 April 2011

Vírgula

 Abri a porta e deparei-me com uma pessoa que não queria enfrentar naquela noite.
Olhei em vão à minha volta a ver se havia hipótese de ficar na festa sem cair no seu campo de visão. Parei enquanto a Sandra passou por mim com um sorriso forçosamente pintado no seu rosto.
—Estás aí especada porquê? Anda mas é dançar!
—Não me estou a sentir bem. Acho que não vou ficar.
Em vez de insistir ela deixou-me em paz. Aproveitei o momento para me retirar, um pouco curvada, como uma vírgula, fechando suavemente a porta atrás de mim.

Wednesday 20 April 2011

A watched pot never boils

The kettle boils. I place the tea bag in my mug and pour the piping hot water. I pick up my tea and once I’ve sat down on my chaise longue, I set the tea on the table beside me.
The steam rises like a Chinese dragon, twirling through the air, winding and spinning its way up. It seems to be doing pirouettes like an astonishingly talented ballet dancer, or reaching its arms out, spiralling and undulating up like the hands of a belly dancer.
I raise the mug and take a sip, but it’s still too hot.
I set it back down and continue to watch the steam materialize and slowly vanish.

Tuesday 19 April 2011

The best coffee in New York

De um lado, numa pequena mesa com apenas uma cadeira, sentava-se um homem bem parecido de meia idade, com as pernas cruzadas, a ler um livro, segurando, com a mão livre, um cigarro.
Do outro lado da esplanada, uma senhora elegante, igualmente numa mesa pequena, sozinha a ler uma revista, também com as pernas cruzadas. Havia ali uma certa simetria: cada um no seu canto, a fazer a mesma coisa, com um modo de estar bastante parecido, o fumo do cigarro a ir-lhes para a cara e os óculos escuros a esconder-lhes os olhares.
Entre os dois estavam dois grandes grupos de amigos, felizes e faladores, a desfrutar de uma cerveja fresca apesar do frio.
Um dos grupos levantou-se. Ficou um vazio. Os dois permaneciam afastados por um grupo. Mas com a retirada de um dos “obstáculos” foi notório que os dois se entre olharam, rapidamente voltando a colocar o olhar naquilo que estavam a ler.
A senhora descruzou as pernas, e voltou a cruzá-las.
Entardecia e o sol começava a pôr-se.
O outro grupo começou a desmoronar-se: os amigos despediam-se com grandes abraços, beijos e acenos. O espaço entre os dois rapidamente se desintegrava.
O momento tão esperado aproximava-se. A tensão aumentava. Quem iria dar o primeiro passo? Ela? Ele? Nenhum?
Os últimos dois amigos levantaram-se, abraçaram-se e desimpediram o caminho.
Ainda nem uma palavra tinha sido enunciada e um dos dois já corava.
Ela tirou os óculos de sol. Descruzou as pernas e olhou para aquele homem.
Ele acabou a sua cerveja e virou-se para ela. O seu olhar cinzento azulado deixou-o imóvel. Não tinha outra hipótese a não ser deixar-se mergulhar neles. Não era a primeira vez que ele a via ali, e sempre a tinha achado linda, aliás, ele continuava sem perceber como era possível ela nunca ter companhia.
Ela lambeu os lábios.
O coração dele começou a galopar. Parecia que estava prestes a correr os 100 metros e que o tiro da partida estava prestes a ecoar.
—Parece que, mais uma vez, ficamos só os dois, não é? - deu uma risadinha adorável, continuando a olhar para ele.
Ele era incapaz de emitir qualquer som. Sentiu-se ridículo. A mente dele era um vácuo. As bochechas flamejavam. «Que ridículo, nem as cinco cervejas que bebi fizeram efeito» pensava ele.
Começou a gaguejar, conseguindo, por fim, dizer:
—Sim... parece que as pessoas se vão embora quando o ambiente é melhor – apontando com a cabeça para o pôr de sol.
Ela anuiu. Ainda não tinha desviado o olhar e tinha agora um leve sorriso nos lábios, quase imperceptível, o que contribuía para o seu ar misterioso.
—Costuma estar aqui, não é? Acho que já o vi aqui bastantes vezes.
Já ganhando alguma confiança:
—Sim, gosto de vir para aqui, especialmente ao fim da tarde. É ideal para ler.
—Concordo, e o café é muito bom... Olhe, eu sou a Bárbara.
—E eu o António. Prazer.
Ela finalmente desviou o olhar, e o António percebeu que afinal de contas ele não era o único envergonhado ali.
—Amanhã gostaria de se sentar ao pé de mim, António?
Ele corou até às pontas do cabelo.
—Sim.

Monday 18 April 2011

depois de em Ericeira, em Aveiro

"Em redor de uma rotunda ninguém volta atrás, ninguém se engana, ninguém tem de assumir o erro e fazer inversão de marcha. A vida, apesar de tudo, é fácil. Numa rotunda." 
Gonçalo M. Tavares - Matteo Perdeu o Emprego

Sunday 17 April 2011

A escalada

A escalada parecia infindável: ele subia há, na sua percepção, mais de quatro horas.
Os intensos treinos físicos não lhe tinham valido de nada e a sua participação na prova “Porto a Subir” pouco o ajudara. Mas a chegada ao topo daquele enorme edifício era, de acordo com o seu psiquiatra, absolutamente necessário. Precisava de enfrentar os seus medos – não lhe valia de nada continuar a virar-lhes a cara, pois quando voltasse a olhar, eles iam continuar no mesmo sítio.
Ele continuou. Não desistia e tal ideia não lhe passava na cabeça, mas mesmo quando a vontade de o fazer surgia, bastava-lhe olhar para a sua mão onde estava incrito o mantra “Be Strong”.
Subia. Subia. Subia.
Estava cansado, quer psicologicamente, quer fisicamente. Na sua cabeça misturavam-se sentimentos, memórias, pensamentos alheios (talvez até um pouco inoportunos).
Deitou-se no chão. Estava fisicamente esgotado. As pernas tremiam-lhe. Olhou para a mão, mas o mantra começava a ficar esbatido pelo suor. Ofegante, levantou-se. Agarrou-se deseperadamente ao corrimão das escadas. Ele dissipou-se: aquela era uma escalada que ele tinha de fazer sem apoio.
Por fim, arrancou a camisa, rasgou as calças e, mais fresco, lançou-se mais uma vez às escadas.
À medida que subia, a pressão aumentava. As memórias tornavam-se mais reais, materializando-se à sua frente. Aliciavam-no. Queriam que ele desistisse. Diziam que era fácil regressar. Ele olhou para trás, para avaliar o quanto teria de descer se quisesse voltar à comodidade do passado: apenas via meia dúzia de degráus. Mas não. Depois de tudo não se podia dar ao luxo de desistir. Nem tudo na vida nos pode ser dado de mão aberta. Como se diz: “Quem quer bolota, trepa”.
Ele prosseguiu.
Qual era o seu destino? Isso nem ele sabia bem. Mas sabia que tinha de continuar.
Com os joelhos a tremer, os músculos a gemer com espasmos violentos, o suor a escorrer-lhe pela cara e peito e os pêlos a ficar emaranhados levantava um pé de cada vez. O fim não devia estar longe.
Olhou para cima e viu a clarabóia: «Finalmente». Abriu-a e subiu para o topo daquele arranha-céus. Era noite. As estrelas cintilavam. A lua em quarto minguante quase parecia palpável, de tão próximo estar. No entanto, ele sabia que aquela subida ainda não tinha terminado. Sentia-se insatisfeito.
Olhou para o céu e viu um detalhe que à primeira vista lhe tinha escapado: uma pequena fissura. Tentou agarrá-la, mas estava fora do seu alcance. Deu um pequeno pulo e conseguiu pendurar-se – a fissura começou a crescer, alargando-se. Ele teve de usar todas as suas forças para se erguer para dentro dela, e uma vez do outro lado, encontrou-se num mundo alternativo: apenas via água. Aliás, ele também se encontrava submerso.
«Será que ao abrir aquela fissura fiz com que chovesse no mundo de onde acabei de fugir?» pensou ele.
Começou a nadar e, pela primeira vez, sentiu que se calhar aquela subida, toda aquela viagem, o esforço, a tentativa de se distanciar do passado, o fugir dos maus momentos, da vergonha, dos erros e dos enganos não ía ser possível. No entanto, não parou de nadar.