A escalada parecia infindável: ele subia há, na sua percepção, mais de quatro horas.
Os intensos treinos físicos não lhe tinham valido de nada e a sua participação na prova “Porto a Subir” pouco o ajudara. Mas a chegada ao topo daquele enorme edifício era, de acordo com o seu psiquiatra, absolutamente necessário. Precisava de enfrentar os seus medos – não lhe valia de nada continuar a virar-lhes a cara, pois quando voltasse a olhar, eles iam continuar no mesmo sítio.
Ele continuou. Não desistia e tal ideia não lhe passava na cabeça, mas mesmo quando a vontade de o fazer surgia, bastava-lhe olhar para a sua mão onde estava incrito o mantra “Be Strong”.
Subia. Subia. Subia.
Estava cansado, quer psicologicamente, quer fisicamente. Na sua cabeça misturavam-se sentimentos, memórias, pensamentos alheios (talvez até um pouco inoportunos).
Deitou-se no chão. Estava fisicamente esgotado. As pernas tremiam-lhe. Olhou para a mão, mas o mantra começava a ficar esbatido pelo suor. Ofegante, levantou-se. Agarrou-se deseperadamente ao corrimão das escadas. Ele dissipou-se: aquela era uma escalada que ele tinha de fazer sem apoio.
Por fim, arrancou a camisa, rasgou as calças e, mais fresco, lançou-se mais uma vez às escadas.
À medida que subia, a pressão aumentava. As memórias tornavam-se mais reais, materializando-se à sua frente. Aliciavam-no. Queriam que ele desistisse. Diziam que era fácil regressar. Ele olhou para trás, para avaliar o quanto teria de descer se quisesse voltar à comodidade do passado: apenas via meia dúzia de degráus. Mas não. Depois de tudo não se podia dar ao luxo de desistir. Nem tudo na vida nos pode ser dado de mão aberta. Como se diz: “Quem quer bolota, trepa”.
Ele prosseguiu.
Qual era o seu destino? Isso nem ele sabia bem. Mas sabia que tinha de continuar.
Com os joelhos a tremer, os músculos a gemer com espasmos violentos, o suor a escorrer-lhe pela cara e peito e os pêlos a ficar emaranhados levantava um pé de cada vez. O fim não devia estar longe.
Olhou para cima e viu a clarabóia: «Finalmente». Abriu-a e subiu para o topo daquele arranha-céus. Era noite. As estrelas cintilavam. A lua em quarto minguante quase parecia palpável, de tão próximo estar. No entanto, ele sabia que aquela subida ainda não tinha terminado. Sentia-se insatisfeito.
Olhou para o céu e viu um detalhe que à primeira vista lhe tinha escapado: uma pequena fissura. Tentou agarrá-la, mas estava fora do seu alcance. Deu um pequeno pulo e conseguiu pendurar-se – a fissura começou a crescer, alargando-se. Ele teve de usar todas as suas forças para se erguer para dentro dela, e uma vez do outro lado, encontrou-se num mundo alternativo: apenas via água. Aliás, ele também se encontrava submerso.
«Será que ao abrir aquela fissura fiz com que chovesse no mundo de onde acabei de fugir?» pensou ele.
Começou a nadar e, pela primeira vez, sentiu que se calhar aquela subida, toda aquela viagem, o esforço, a tentativa de se distanciar do passado, o fugir dos maus momentos, da vergonha, dos erros e dos enganos não ía ser possível. No entanto, não parou de nadar.
Intenso.
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