Monday, 20 June 2011

Tintoretto


O Carlinhos tinha dois anos e nove meses, tinha cabelo loiro encaracolado e olhos azuis penetrantes. Parecia um querubim saído de uma pintura renascentista.
A sua mãe tinha trinta e três anos e pintava desde os treze, idade em que abandonou a escola.
Um dia, o Carlos decidiu pegar nos pincéis da mãe e deixou a sua imaginação fluir para o papel em branco que se encontrava à sua frente. Ao fim do dia, a mãe entrou em casa, e viu o seu desenho no chão.
—Carlos, copiaste este desenho de algum dos teus livros?
Ele limitou-se a olhar para ela, com os olhos esbugalhados, incrédulo, ao ver que ela não acreditava que tinha sido ele a desenhá-lo.
A sua mãe ficou aborrecida ao ver que o filho, que ainda nem tinha consciência total das suas emoções, era capaz de criar obras dignas se ser expostas no Museu do Vaticano.
Passado uns dias, entrou na sala e viu-o a desenhar, de maneira que deixou de ter dúvidas que o Carlinhos era mesmo sobredotado, o que a deixou ainda mais invejosa.
No mês seguinte tiveram visitas em casa que ao passear pela casa, viram as pinturas expostas e sem saberem que eram do Carlinhos gabaram as pinturas do Carlinhos. A mãe não foi capaz de dizer, por vergonha, que as obras que elas tanto gostavam não eram dela. Não conseguia suportar a ideia que o filho era melhor que ela, que já pintava há vinte anos, de maneira que logo que as visitas saíram deitou fora todos os seus materiais de desenho e pinturas, suas e do Carlos, para que ele nunca mais pintasse e para ela não se deparar com aquelas obras que tão inferior a faziam sentir.
Contudo, ao ter abandonado os estudos cedo e ao ver-se obrigada a desistir daquilo que ela gostava, acabou por ir trabalhar para um super-mercado. O Carlos nunca se apercebeu dos seus dotes à custa da mãe e o mundo perdeu a oportunidade de ter um Tintoretto moderno.

Sunday, 12 June 2011

Pecador


Uma mosca, a agitar freneticamente as asas, bateu contra o vidro 7 vezes e continuou a voar como se nada fosse.
Parecia que se tinha castigado por ter cometido os 7 pecados: uma pancada para cada um.
Engraçado como até aquela mosca tinha consciência da sua estupidez.

Sunday, 29 May 2011

ESTRAGON:
Well, shall we go?
VLADIMIR:
Yes, let's go.
(They do not move.)

(Beckett's Waiting for Godot, Act I)

Saturday, 28 May 2011

The Invading Army


The needle pricked his skin and a whimper crawled up his throat. The pain was unbearable. He clenched his fists, pressed his lips together and grimaced.
The tattoo artist asked him if everything was all right, and Richard had to push the moan tumbling back down so he could finally answer ‘Yes’. The tattoo artist then said ‘Good, because the pain is about to get worse’, pressing the needle back on his skin.
The little man clawing and crawling its way up reached his mouth and wrenched it open, letting a long groan free. The tattoo artist paused.
‘We can stop if you want, you know?’
‘No, I don’t have time to waste. We have a dinner reservation. I can take it’, sneaking in a wink at his girlfriend.
‘You’re the boss.’
With an army scrabbling its way up his throat, he felt a surge of excruciating pain when the needle reached his ankle. He closed his eyes and seized his girlfriend’s hand. She gave it a light squeeze.

Tuesday, 24 May 2011

O Choro do Chorão


Um pequeno rio em que nadavam juntas duas pequenas rãs verdes. Se pudessemos dizer que animais têm emoções, era claro que aquelas rãs estavam felizes e sem preocupações. No entanto, um chorão enorme tinha os seus ramos caídos parecendo verter um rio de lágrimas, do qual as duas rãs se aproveitavam inocentemente.
Ao lado daquele rio estava eu, deitada na relva com a cabeça caída a chorar na sombra do chorão.
Ouvi as rãs a coaxar e olhei para o rio. Já não estavam juntas. Tinham-se separado e uma delas estava no lado oposto, procurando afastar-se do seu ex-amigo. A água do rio tinha subido, quase como se o chorão tivesse recomeçado a chorar. Voltei a deitar a cabeça, com os olhos em lágrimas, não apenas por mim, mas também por aquelas rãs que se tinham separado.
Virei-me de barriga para o ar e olhei para o céu, anteriormente nublado, agora escuro, a ameaçar uma violenta tempestade tropical.
O rio ao meu lado espelhava os ramos do chorão. Reparei que a árvore tinha imensas rugas vincadas no seu tronco e apercebi-me que já devia ter assistido a muitos casais a cortar relações. Aquele rompimento entre as rãs, era apenas mais um casal a terminar o namoro.
Uma brisa morna acariciou a minha pele e atirou o meu cabelo para trás dos ombros. Era verão e eu estava de férias. Devia estar feliz. Mas não.
Subitamente começou a trovejar. Senti-me esmagada pela chuva, derretida pelo calor, e pela humidade, e espantada com a minha tristeza.

Thursday, 12 May 2011

An Empty Wardrobe

"At the age of not quite three, I realized that my recently born sister had grown in my mother’s uterus. I was not at all pleased about the new baby and suspected, gloomily, that my mother’s body might be harbouring yet more children. The wardrobe symbolized the maternal womb to me; I therefore demanded to see inside the cupboard, and to that end I applied to my big brother. As other material shows, an older brother can replace a father as a little boy’s rival. Apart from my well-founded suspicion that this brother was responsible for putting the absent nursemaid in prison, I also feared that he had somehow implanted the new-born child in my mother’s body. My sense of disappointment when the wardrobe proved empty arose from the superficial motivation of my childish demand, and was misplaced in relation to my deeper level of feeling. On the other hand, my great satisfaction at noting my mother’s slender figure on her return is fully comprehensible only on that deeper level."

Freud in The psychopathology of everyday life

Sunday, 8 May 2011

Tomorrow, and tomorrow, and tomorrow,
Creeps in this petty pace from day to day
(Shakespeare's Macbeth, Act V, Scene V,)