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Wednesday, 4 January 2012

Um Jogo de Damas


Sentada na poltrona olhei para fora. O céu estava escuro e as nuvens de formação vertical anunciavam uma chuva forte de curta duração. De repente, uma gota grossa caiu, marcando um círculo perfeito no pavimento. Os círculos começaram a multiplicar-se; as nuvens estavam a criar um quadro pontilhista tão bonito como os de George Seurat. O céu trovejou. Alguma coisa no quadro que pintava não estava como queria.
As gotas começaram a ser lançadas furiosamente ao chão, começando a misturar-se, deixando de parecer um quadro pontilhista, lembrando mais um abstraccionista.
Ao mesmo tempo, uma pequena mesa redonda de vidro estava no quintal e os pingos acertavam nela, saltando pequenas gotas para a frente e para trás como se os dois lados estivessem entretidos com um jogo de damas. A mesa, ligeiramente inclinada para a esquerda fazia com que a água se acumulasse lá, de maneira que parecia que o jogador da esquerda tinha ganho mais peças.
A chuva parou. A água acumulou-se e a esquerda ganhou com maioria absoluta.

Tuesday, 27 December 2011

Um Olhar de Fora


Um casal sentou-se para o chá das cinco, numa pequena pastelaria no centro de Coimbra.
—Zé, pede aí à mulher um café cheio e uma torrada se fazes favor.
—Quando ela passar por aqui, Lurdes, peço. Não te preocupes.
—Não. Não vais pedir só quando ela passar aqui, vais pedir já. Já sabes que odeio esperar, muito menos para comer.
—OK amorzinho, eu vou lá então.
—Acho bem que sim. Também não ajuda que as mulheres deste café passem o tempo a falar com os homens em vez de atenderem os clientes, especialmente os de longa data como nós - disse, olhando com hostilidade na direcção da senhora que estava ao balcão a seduzir quem tentava pagar.
—Tens razão, querida. Nem sei porque é que continuamos a cá vir.
—Claro que sabes. Os pastéis são soberbos, especialmente as queijadinhas. Ainda para mais, fica a dois passos de nossa casa e sabes bem que na nossa idade isso é imprescindível - exclamou Lurdes, num tom irritado.
—É verdade, e com as minhas articulações como estão, nem podia ir a outro lado. Mas pronto, eu vou lá pedir o teu lanche - levantando-se e dando um beijo ternurento à sua mulher, cujo olhar se suavizou instantaneamente.
Passado alguns momentos voltou a sentar-se, trazendo aquilo que a mulher tinha pedido e plantando um beijo na sua testa disse:
—Aí tens, minha princesa.
—Não, não e não. Eu queria sem manteiga. - berrou, exasperadamente.
—Pronto, pronto, eu vou lá dizer. - bufando com o esforço para se levantar novamente.
Vendo o marido, já com setenta e dois anos a fazer aquele esforço enorme só para a agradar, Lurdes apercebeu-se do seu egoísmo.
—Não, meu príncipe, senta-te. Eles é que nos deviam ter vindo atender. De qualquer maneira, eu estou com tanta fome que era capaz de devorar tudo aquilo que me aparecesse à frente. - colocando a sua mão por cima da do seu marido, apertando-a gentilmente - Mas não lhes damos gorjeta. Era o que mais faltava.
Enquanto esta cena se desenrolava, um jovem casal de namorados, sentados num banco do outro lado da rua, observava-os:
—Eu também quero chegar àquela idade e ter um homem que me trate assim tão bem.
—Continuam a parecer tão apaixonados,
—E tão calmos! - interrompeu a Adriana, sem noção da conversa, tudo menos calma, que o Zé a Lurdes estavam a ter.
—Por acaso. Mas e então, queres ir lanchar, bebé?
—Se também me fores buscar a comida como aquele homem fez, sim - disse,  piscando o olho ao Jaime.
—Por ti, tudo - sorrindo ao dizê-lo.
Levantaram-se e caminharam em direcção ao café, entrando ao mesmo tempo que o Zé e a Lurdes saíam.
Os quatro entreolharam-se momentaneamente e prosseguiram.

Sunday, 12 June 2011

Pecador


Uma mosca, a agitar freneticamente as asas, bateu contra o vidro 7 vezes e continuou a voar como se nada fosse.
Parecia que se tinha castigado por ter cometido os 7 pecados: uma pancada para cada um.
Engraçado como até aquela mosca tinha consciência da sua estupidez.

Tuesday, 24 May 2011

O Choro do Chorão


Um pequeno rio em que nadavam juntas duas pequenas rãs verdes. Se pudessemos dizer que animais têm emoções, era claro que aquelas rãs estavam felizes e sem preocupações. No entanto, um chorão enorme tinha os seus ramos caídos parecendo verter um rio de lágrimas, do qual as duas rãs se aproveitavam inocentemente.
Ao lado daquele rio estava eu, deitada na relva com a cabeça caída a chorar na sombra do chorão.
Ouvi as rãs a coaxar e olhei para o rio. Já não estavam juntas. Tinham-se separado e uma delas estava no lado oposto, procurando afastar-se do seu ex-amigo. A água do rio tinha subido, quase como se o chorão tivesse recomeçado a chorar. Voltei a deitar a cabeça, com os olhos em lágrimas, não apenas por mim, mas também por aquelas rãs que se tinham separado.
Virei-me de barriga para o ar e olhei para o céu, anteriormente nublado, agora escuro, a ameaçar uma violenta tempestade tropical.
O rio ao meu lado espelhava os ramos do chorão. Reparei que a árvore tinha imensas rugas vincadas no seu tronco e apercebi-me que já devia ter assistido a muitos casais a cortar relações. Aquele rompimento entre as rãs, era apenas mais um casal a terminar o namoro.
Uma brisa morna acariciou a minha pele e atirou o meu cabelo para trás dos ombros. Era verão e eu estava de férias. Devia estar feliz. Mas não.
Subitamente começou a trovejar. Senti-me esmagada pela chuva, derretida pelo calor, e pela humidade, e espantada com a minha tristeza.