Tuesday, 27 December 2011

Um Olhar de Fora


Um casal sentou-se para o chá das cinco, numa pequena pastelaria no centro de Coimbra.
—Zé, pede aí à mulher um café cheio e uma torrada se fazes favor.
—Quando ela passar por aqui, Lurdes, peço. Não te preocupes.
—Não. Não vais pedir só quando ela passar aqui, vais pedir já. Já sabes que odeio esperar, muito menos para comer.
—OK amorzinho, eu vou lá então.
—Acho bem que sim. Também não ajuda que as mulheres deste café passem o tempo a falar com os homens em vez de atenderem os clientes, especialmente os de longa data como nós - disse, olhando com hostilidade na direcção da senhora que estava ao balcão a seduzir quem tentava pagar.
—Tens razão, querida. Nem sei porque é que continuamos a cá vir.
—Claro que sabes. Os pastéis são soberbos, especialmente as queijadinhas. Ainda para mais, fica a dois passos de nossa casa e sabes bem que na nossa idade isso é imprescindível - exclamou Lurdes, num tom irritado.
—É verdade, e com as minhas articulações como estão, nem podia ir a outro lado. Mas pronto, eu vou lá pedir o teu lanche - levantando-se e dando um beijo ternurento à sua mulher, cujo olhar se suavizou instantaneamente.
Passado alguns momentos voltou a sentar-se, trazendo aquilo que a mulher tinha pedido e plantando um beijo na sua testa disse:
—Aí tens, minha princesa.
—Não, não e não. Eu queria sem manteiga. - berrou, exasperadamente.
—Pronto, pronto, eu vou lá dizer. - bufando com o esforço para se levantar novamente.
Vendo o marido, já com setenta e dois anos a fazer aquele esforço enorme só para a agradar, Lurdes apercebeu-se do seu egoísmo.
—Não, meu príncipe, senta-te. Eles é que nos deviam ter vindo atender. De qualquer maneira, eu estou com tanta fome que era capaz de devorar tudo aquilo que me aparecesse à frente. - colocando a sua mão por cima da do seu marido, apertando-a gentilmente - Mas não lhes damos gorjeta. Era o que mais faltava.
Enquanto esta cena se desenrolava, um jovem casal de namorados, sentados num banco do outro lado da rua, observava-os:
—Eu também quero chegar àquela idade e ter um homem que me trate assim tão bem.
—Continuam a parecer tão apaixonados,
—E tão calmos! - interrompeu a Adriana, sem noção da conversa, tudo menos calma, que o Zé a Lurdes estavam a ter.
—Por acaso. Mas e então, queres ir lanchar, bebé?
—Se também me fores buscar a comida como aquele homem fez, sim - disse,  piscando o olho ao Jaime.
—Por ti, tudo - sorrindo ao dizê-lo.
Levantaram-se e caminharam em direcção ao café, entrando ao mesmo tempo que o Zé e a Lurdes saíam.
Os quatro entreolharam-se momentaneamente e prosseguiram.

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